IA e Direitos Autorais: Por que o Reino Unido rejeitou a transparência exigida pelos artistas?
Uma análise do Data (Use and Access) Bill e suas lições para a regulação de IA no Brasil
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O Data (Use and Access) Bill
Recentemente, o Reino Unido aprovou o Data (Use and Access) Bill, gerando uma tempestade de críticas entre artistas renomados como Elton John, que classificou a nova lei como um ato de "roubo em larga escala", em função do parlamento ter rejeitado uma emenda que exigia transparência total sobre as obras usadas no treinamento dos modelos de IA.
Para nós do Brasil, o caso britânico é muito interessante de se analisar, pois o que foi rejeitado lá é exatamente o que se propõe aqui no PL 2338 do art. 62 em diante.
Liderados por grandes nomes como Elton John, Paul McCartney e Dua Lipa, diversos artistas divulgaram uma carta aberta na qual exigiam que as empresas de IA divulgassem uma lista completa das obras protegidas utilizadas para treinar seus modelos.
Isso foi expressamente rejeitado na nova legislação britânica, cujo objetivo declarado é facilitar o uso de dados para impulsionar a economia e melhorar a qualidade de vida das pessoas em setores como saúde e infraestrutura.
O governo britânico esclareceu que realizará uma consulta separada sobre direitos autorais em IA, além de planejar uma futura legislação específica sobre inteligência artificial.
Mas a julgar pelo o entendimento da maioria dos parlamentares britânicos, é improvável que a proposta dos artistas seja acolhida na legislação que virá.
Argumentos contrários ao que os artistas demandam: inviabilidade técnica, conceitual e econômica
Enrique Dans, professor de inovação na IE Business School, traz um argumento — com o qual concordo — contra a demanda da classe artística britânica.
"A carta aberta assinada por Paul McCartney, Dua Lipa, Elton John e outros ilustres defensores do status quo exigindo que toda empresa de IA divulgue uma lista completa das obras protegidas por direitos autorais usadas para treinar seus modelos é tão tecnicamente inviável quanto conceitualmente absurda. É o equivalente a pedir que todo músico catalogue cada música que já ouviu. O objetivo não é 'proteger a criatividade', mas sustentar um modelo de negócio baseado na escassez artificial de cópias."
Nick Clegg, Ex-Vice Primeiro-Ministro britânico e ex-executivo da Meta, explicou que exigir consentimento prévio dos artistas para utilização de suas obras "basicamente mataria" a indústria de IA.
Ele afirmou que, embora os artistas devam ter o direito de optar por não ter seus trabalhos utilizados, é tecnicamente inviável exigir consentimento prévio devido à escala do treinamento dos modelos, que depende do webscraping de grandes quantidades de dados disponíveis na internet. Segundo Clegg, aplicar essa restrição somente no Reino Unido prejudicaria drasticamente a competitividade do país na corrida tecnológica.
Enrique Dans reforça essa perspectiva, argumentando que o treinamento de modelos de IA não configura cópia ou distribuição ilegal, mas sim um processo de análise e geração de novos conteúdos baseados em padrões estatísticos.
Considerar isso roubo seria equivalente a acusar músicos de roubo por buscarem inspiração em outras obras.
O cenário brasileiro e o PL 2338
A reação dos artistas britânicos é bem parecida com o cenário que temos no Brasil. Isso fez com que o texto do PL 2338 aprovado no Senado estabelecesse o seguinte.
Em seu artigo 62, o dever dos desenvolvedores de IA divulgarem, em um sumário acessível na internet, quais conteúdos protegidos por direitos autorais foram utilizados em seus sistemas.
No artigo 64 a possibilidade de que titulares de direitos autorais proíbam o uso de suas obras e, caso permitam, sejam remunerados.
Essa remuneração, conforme prevê o artigo 65, deve considerar princípios como razoabilidade, proporcionalidade, porte do agente de IA e efeitos concorrenciais em relação aos conteúdos originais utilizados.
A resistência às novas tecnologias e a demanda por privilégios
Dans ressalta ainda que essa resistência dos artistas é parte de um ciclo recorrente de pânico tecnológico. Indústrias culturais, ao longo das décadas, sempre demonizaram novas tecnologias, desde as fitas cassete até o streaming.
No fim, argumenta ele, esses avanços tecnológicos ampliaram significativamente o acesso cultural e aumentaram as receitas globais. Hoje, a resistência à IA parece estar concentrada entre aqueles cujo modelo de negócio depende da exploração contínua e indefinida de catálogos antigos.
Ele observa ainda, em tom bastante crítico, que artistas buscam privilégios excepcionais em relação a outros setores econômicos. Enquanto inventores de medicamentos têm uma proteção limitada a cerca de vinte anos, artistas detêm direitos autorais que podem durar até setenta anos após a morte do autor.
Essa disparidade levanta questionamentos sobre por que a sociedade deveria subsidiar indefinidamente criações artísticas, ao mesmo tempo em que libera rapidamente fórmulas de medicamentos essenciais ao bem-estar público.
Concorrência entre artistas humanos e criações de IA
Em minha opinião, um argumento de quem teme o efeito das IAs sobre a classe artística e que merece nossa séria consideração é o efeito concorrencial das obras geradas por IA.
É possível que obras criadas por IA acabem competindo diretamente com artistas humanos, potencialmente prejudicando sua receita e exposição. Um exemplo notório foi a música "Heart on My Sleeve", criada por uma IA no estilo dos artistas Drake e The Weeknd.
Contudo, também penso que para tentarmos entender o real impacto disso precisamos avaliar o que faz com que um artista ganhe a preferência do público: sua imagem, sua atitude certamente colabora para isso.
Uma IA conseguiria projetar esse carisma próprio de um ser humano? Parece-me algo difícil de ocorrer.
Além disso, músicas criadas por IA dificilmente seriam disponibilizadas nos perfis oficiais dos artistas em plataformas de streaming como Spotify, o que pode limitar significativamente qualquer prejuízo concreto.
Vale notar também que grandes empresas como OpenAI e Google limitam a geração de conteúdos em estilos específicos de artistas vivos principalmente por preocupações jurídicas, éticas e concorrenciais.
Conclusão
Nesse sentido, penso que o caminho tomado pelo Reino Unido não deve ser condenado. A preocupação com a inovação em sua indústria de IA é algo significativo, considerando a rapidez com que as coisas tem acontecido e a importância que essa indústria tem para o futuro daquele país.
O desafio que se impõe, tanto ao Reino Unido quanto ao Brasil, é encontrar um ponto de equilíbrio que assegure a proteção justa dos direitos dos criadores humanos sem sufocar o potencial transformador da inteligência artificial.
Essa é uma tarefa complexa, que exigirá diálogo, bom senso e soluções inovadoras que contemplem os interesses de todos os setores envolvidos.
🔍 Em meio à crescente presença de agentes de IA em nossas vidas, uma nova busca ganha força no mundo corporativo: o reencontro com espiritualidade, propósito e sentido.
Esse movimento, que pode parecer contraditório à lógica tecnológica, está transformando a forma como líderes e profissionais lidam com a automação, a inteligência artificial e o próprio trabalho.
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