Trump e a Nova Ordem da Inteligência Artificial
Como o segundo mandato de Donald Trump pode redefinir a política global e doméstica de IA, da geopolítica à regulação
No próximo dia 20, Donald Trump toma posse para um segundo mandato como Presidente dos Estados Unidos, a maior potência econômica e militar do mundo, líder no desenvolvimento da inteligência artificial.
A percepção de muitos analistas que tenho acompanhado é de que teremos um Trump muito fortalecido em relação ao seu primeiro termo, devido a uma série de fatores como maior experiência, construção de uma base de apoio política mais leal e, sem dúvidas, o claro apoio popular que deu aos Republicanos a vitória para Presidente no voto popular e o comando da Câmara e do Senado.
O que tudo isso representa para o desenvolvimento da inteligência artificial daqui para frente? É o que vou buscar explorar neste primeiro artigo de 2025.
Uma presidência imperial
Como provocativamente argumenta Niall Fergusson,
“Trump está em todo lugar: na capa de todas as revistas e jornais, em todos os talk shows da TV. Ele realmente é o Mestre Global: o homem mais poderoso do mundo”. (…) como imediatamente fica claro para qualquer um em sua presença, Trump hoje é muito mais do que presidente eleito. Ele é rei. Meus senhores, senhoras e senhores, eu lhes apresento: Donald Trump, Monarca Americano”.
Aludindo ao enorme poder com o qual o novo Presidente americano assume o governo, Fergusson afirma que o que está por vir é uma “presidência imperial”. Trump é “o Monarca de Mar-a-Lago”, referência ao Resort na Flórida onde ele reside.
No entanto, para Fergusson, tamanho poder será passageiro:
“Trump é apenas o velho e simples presidente dos Estados Unidos, por quatro anos, com maiorias no Congresso apenas na primeira metade do mandato (a menos que as eleições de meio de mandato desafiem a história), e com seus poderes deliberadamente circunscritos por uma constituição projetada... para impedir um Rei da América.”
Mudança de vibe
Acredito que é muito provável que a análise de Fergusson esteja correta: a Constituição dos Estados Unidos com seus limites é uma força provada ao longo dos séculos. Diferente das constituições de ocasião, ela é a base sólida a partir da qual o país se formou. Ela consagra a ideia de governo das leis e não dos homens, que é o que caracteriza o Estado de Direito.
Mas em 2 anos dá para se fazer muita coisa, não é? Que rumos a IA vai tomar durante a administração Trump?
De início acho interessante notar que está acontecendo no mundo uma mudança acentuada de tendências: agenda “woke” perdendo espaço [já vai tarde!] na cultura e no mundo corporativo.
Os sinais de que isso está acontecendo estão muito claros no ocidente inteiro. Mudanças nesse sentido tem sido anunciadas por empresas como Amazon, Microsoft, Meta, Google e Disney.
Junto com as questões econômicas e de imigração, a eleição de Trump se deveu muito a rejeição dessa agenda “woke” por parte da maioria dos eleitores nos EUA.
A raiz do problema
As razões dessa virada são profundas e representam uma reação a um estado de coisas que começou décadas atrás. Christopher Lasch em seu livro de 1994 A Revolta das das Elites e a Traição da Democracia (The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy), identificou a raiz do problema: uma distância cada vez maior entre a visão de mundo das elites em relação ao restante do povo.
Lasch argumenta que a classe dominante (as elites), composta principalmente por tecnocratas, intelectuais, imprensa, líderes corporativos e financeiros, se afastou das responsabilidades cívicas e culturais que antes assumia. Ele sugere que essas elites traíram a democracia ao abandonar a ideia de bem comum e se desconectar das realidades e valores das classes trabalhadoras e médias.
Lash morreu em 1994 e não pôde ver a era das mídias sociais. Acho que há uma boa chance de que ele concordasse com a seguinte a afirmação: as mídias sociais trouxeram uma série de problemas que antes não existiam, mas do ponto de vista do cenário da traição das elites, o que elas fizeram foi dar a todos aqueles que não fazem parte da elite uma extraordinária arma para combater aqueles que desprezam seus valores.
Toda a acalorada discussão do nosso tempo sobre o controle das redes sociais e a tentativa de imposição estatal (aqueles que controlam o Estado não são a elite?) sobre as BigTechs passa pelo pano de fundo identificado por Lasch em 1994.
Evidentemente, não estou dizendo que as Big Techs façam parte do povo contra as elites. Mas elas captam tendências, não é? Seu interesse está em construir uma afinidade com o cliente, ao invés de ganhar sua rejeição.
Quem fará o trabalho no governo Trump
A resposta passa por David Sacks, que será, nas palavras de Trump o “White House A.I. & Cripto Czar” do seu governo, encarregando-o de liderar políticas relacionadas a inteligência artificial e ativos digitais.
Sacks é amigo de longa data de Peter Thiel, o bilionário que foi um dos fundadores do PayPal. Ele foi COO (Chief Operating Officer) da empresa enquanto Thiel era CEO. Hoje, ele é sócio da empresa de capital de risco Craft Ventures. Seus investimentos ao longo dos anos incluíram empresas como Airbnb, Lyft e SpaceX de Elon Musk.
Eles são frequentemente associados ao chamado "PayPal Mafia," um grupo composto por fundadores e investidores do PayPal que se tornou muito influente no Vale do Silício.
Thiel é mais conhecido pelo ótimo livro De Zero a Um. Mas ele é uma figura brilhante: intelectual que conhece em profundidade as obras de René Girard e Leo Strauss, formado em direito, foi assistente (clerk) de um dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos e posteriormente fundou o PayPal, a Palantir e se tornou investidor na área de venture capital para tecnologia.
Junto com Elon Musk, Thiel foi responsável por aproximar Trump do Vale do Silício.
Diferente de Thiel, Sacks não tem muitos escritos com base nos quais possamos avaliar seu pensamento, mas ele se manifesta com frequência no X. Reuni abaixo alguns tweets dele mais voltados para a política e o papel da IA para que você julgue por si mesmo.






O que Trump pode fazer
O Programa de Governo de Trump diz o seguinte em relação à IA:
“Nós revogaremos a perigosa Ordem Executiva de Joe Biden que impede a Inovação em IA e impõe ideias de Esquerda Radical no desenvolvimento desta tecnologia. Em seu lugar, os Republicanos apoiam o Desenvolvimento de IA enraizado na Liberdade de Expressão e no Florescimento Humano.”
O que o homem laranja, o maior representante político da nova tendência que se consolida no mundo, pode fazer em relação à IA?
Para dar uma estimativa do que poderia acontecer, vou trazer algumas análises que encontrei em duas Newsletters que gosto de acompanhar no Substack: Hyperdimensional, de Dean W. Ball e Understanding AI, de Timothy B. Lee. Eles também lançaram um Podcast que tem um episódio sobre sobre o futuro da IA com Trump, no qual conversaram com Jon Askonas, professor de política na Universidade Católica da América, muito próximo dos Republicanos em Washington D.C.
As legislações, ordens executivas ou normas de agências federais que porventura apareçam no governo Trump certamente serão o oposto do “Everything-Bagel” liberalism, termo cunhado por Ezra Klein do New York Times. Trata-se de uma abordagem política que vê cada ação do governo como uma oportunidade de avançar quase todas as prioridades culturais e políticas que a administração possui.
No caso dos democratas, isso significava colocar coisas como combate à desinformação e às mudanças climáticas, questões de gênero e racismo estrutural em normas voltadas para a regulação da inteligência artificial. Isso não ocorrerá em um governo Trump.
Dean W. Ball avalia que em 2025 a legislação sobre IA nos EUA continuará sendo elaborada sobretudo pelos Estados da Federação. No entanto, ele considera que haverá medidas importantes do Governo Federal voltadas para:
Revogar e substituir a Ordem Executiva de Biden sobre IA e outros documentos de política de IA da administração Biden;
Abrandamento de licenças ambientais e outras regulamentações relacionadas à construção de infraestrutura (ação executiva e legislativa);
Aliás, desmantelar o estado burocrático americano a nível federal é uma das grandes bandeiras do setor de tecnologia que se uniu a Trump. Isso será a tarefa do Department Of Government Efficiency (DOGE), uma espécie de Ministério da Desburocratização tocado por Vivek Ramaswamy empresário com carreira no mercado financeiro, trabalhando no fundo de hedge QVT Financial, onde se tornou sócio aos 28 anos. Depois, fundou a Roivant Sciences, uma empresa biofarmacêutica. Elon Musk vai integrar o DOGE junto com Vivek.
A geopolítica da IA sob Trump
Do ponto de vista geopolítico, os EUA devem usar todas as ferramentas para assegurar que a IA sirva ao interesse nacional e fazer o que puder para limitar o acesso da China à vanguarda da tecnologia.
Segundo Jon Askonas, mesmo no primeiro governo Trump e depois no governo Biden, há uma quantidade razoável de medidas visando controlar a exportação dos chips mais recentes e melhores. Houve acordo entre a Casa Branca e o Congresso para estender essas regulamentações à computação em nuvem, para fechar a brecha onde você não poderia usar as GPUs mais recentes, mas poderia comprar computação em nuvem com base nelas. Essas medidas devem avançar e continuar sob a administração Trump.
Segundo Askonas,
“Ainda outro dia, os chineses anunciaram uma série de sanções às empresas americanas. E eu não ficaria surpreso se víssemos uma espécie de guerra de cadeia de suprimentos entre os EUA e a China nos primeiros meses do governo Trump”.
Saem os riscos existenciais e entram as implicações políticas e econômicas do uso da IA
Na formulação de políticas voltadas para a IA, o governo Trump não deve focar nos chamados riscos existenciais, que tiveram um espaço muito importante no malfadado projeto californiano de regulação da IA, o SB 1047.
Ao invés disso, as atenções estariam voltadas em primeiro lugar para a ameaça chinesa e, em segundo lugar para o Brasil, é o que você leu mesmo. Askonas não nomeia os países, mas o cenário se encaixa perfeitamente ao debate que está sendo travado aqui:
“Seria algo em torno de IA e censura, e o tipo de implicações políticas da IA. Especialmente em um contexto global. Fora dos Estados Unidos, estamos vendo os chamados países desenvolvidos reprimindo a liberdade de expressão — acho que estabelecem as bases para a moderação de conteúdo baseada em IA. De certa forma, isso está embutido na própria tecnologia.”
Outro foco da Administração Trump estaria nas implicações econômicas da IA: “há muitas coisas que dependem em termos de impactos da IA e da robótica em processos industriais”, afirma Askonas.
Preocupações dentro do escopo daquilo que os americanos chamam de AI Safety, como riscos existenciais trazidos pela IA ou mesmo riscos de catástrofes resultantes do uso da IA, como IAs fora de controle ou IAs usadas para bioterrorismo são riscos considerados ainda muito distantes e que são vistos com muito ceticismo.
Isso, no entanto, não invalida o fato de que há muito espaço para pesquisa técnica de AI Safety. Para Askonas essa área deveria ser reformulada, de modo a retirar suas versões mais ideológicas e políticas.
Políticas voltadas para as crianças
Para Ball, a grande maioria dos projetos de lei sobre IA nos estados americanos são motivados “pelos mesmos tipos de preocupações que as pessoas tinham sobre as grandes tecnologias, sobre proteger as crianças da IA”.
“Nos últimos cinco ou seis anos, a segurança online das crianças se tornou uma dessas questões para muitos republicanos que é como direitos civis para os democratas. (…) parece-me que uma emergente, uma espécie de outra reação imediata, será a segurança online das crianças.
Askonas acrescenta:
“(…) eu acho que algo que as pessoas que vêm para a política de IA do mundo da construção de sistemas de IA não apreciam é que o motivador número um para os legisladores estaduais e federais da direita em torno da IA é basicamente remorso ou arrependimento pela era da mídia social e querer compensar o tempo perdido, por assim dizer. E enquadrar a IA através das lentes da mídia social, especialmente em torno da censura política e da segurança das crianças.”
A rejeição da ordem executiva de Biden sobre IA
Segundo Askonas, a Administração Biden trouxe coisas positivas como a criação de uma estrutura para adoção de IA no nível das agências do poder executivo.
Por outro lado, ela adotou uma abordagem muito agressiva em uma série de pontos: centralizou o controle da política de IA, criou uma estrutura para regulamentação de IA no nível do modelo, criou a linguagem e os atores burocráticos para centralizar a disseminação da concepção de AI Safety dos democratas, de forma a incluir antidiscriminação e desinformação para todo o governo e por meio do NIST em todo o setor privado.
Recentemente, diz Askonas, em uma conversa com Bari Weiss, “Marc Andreessen descreveu uma reunião em maio deste ano, onde o governo Biden disse a ele que você não deveria investir em open source”. Isso não faria sentido, pois “apenas algumas empresas terão permissão para construir esses sistemas, e será uma parceria público-privada, que é outra maneira de dizer controle governamental centralizado”.
Conclusão
Se o governo Trump cumprir o que promete teremos:
menos regulação oriunda do governo federal;
esforços pontuais da Administração, voltados para i) desregulamentação mirando a construção de infraestrutura, ii) medidas voltadas para crianças e adolescentes;
jogo duro com a China;
forte atuação internacional contra medidas tomadas na União Europeia e em países como o Brasil, vistas pelo grupo de Trump como contrárias à liberdade de expressão;
revogação das ordens executivas de Biden sobre IA;
esforço para que as novas normas não incorporem temas vistos como ideológicos, como ESG, mudanças climáticas, racismo estrutural, desinformação e integridade informacional.
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